Última Semente

Eu a tive por última semente,
No silêncio do fim, que desencanta.
Como renasce a vida, fragilmente,
A terra renascera, em muita planta.
A pálida semente, porém, fria,
Eu conheci, na terra, mal lançada,
Simbolismo patético do dia,
Perto da noite e não da madrugada.
Eu conheci, no solo, ressequida,
Tão morta, logo após o seu carinho,
Como a vida ressurge, parte a vida
E a terra tem, calada, igual caminho.
Eu a tive por última semente,
Sem forças, trespassado, mudamente.

Areia Do Deserto

Era vermelha a areia do deserto
E assim mesmo buscou-a a carne-lodo
O caminho, em seguida, fez-se incerto
E o horizonte sumiu-se então de todo.
Cobriram-se os espaços siderais,
Choveram tempestades de caprichos
E o frio dos sentires hibernais
Despertou do letargo internos bichos.
A vida-barro, pútrida, parada
Perdeu a luz primeira das idéias
Escondido o binômio tudo-nada,
Semente solitária de odisséias.
Carne-lodo, partida a causa-sangue,
Restou, desvirginada, mas exangue.

Soneto Sobre A Lenda Dos Sargaços

“E, no olhar de sargaços, fui espelho.
Sargaços deram cor a teu olhar,
Que o sangue quando corre pelo mar
É verde amarelado e não vermelho.
Por que não despertei sem te acordar?
Estrelas despencaram do céu velho
Refletindo nas águas que eu espelho
A distância jasmim de teu olhar.
Por que foi que perdi-me no interlúdio?
Ultrapassei o encanto de teus braços
Sem nunca receber qualquer repúdio
Não foi, por certo, a névoa nos espaços?
Mas se foi, por que causa meu prelúdio
Teus olhos coloriu cor de sargaços?…”

Adolescência

Depois de tanto tempo escravizado
Libertei-me, Senhora, de teu mando,
Talvez bem mais servil que libertado
E não tão libertado que chorando.
Hoje sinto o prazer de todo o lado,
Em vez do mal que muito devastando
Andou-me e que me fez desenganado
Desde a idade que vem não sei de quando.
Hoje, data de teu aniversário
Perdeste de minha alma o bom rosário
Das promessas que sempre te fazia,
Em mim de ti, senão teu calmo olhar,
Profundo e triste, como a dor do mar,
Restando mais de noite que de dia.

Para Um Livro De J.G. De Araújo Jorge

Na festa das imagens coloridas,
Que encontrei neste livro, à noite e meia,
Corre o sangue dos mares sobre a areia
E o silêncio deserto de mil vidas.
Corre o sonho dos sonhos de uma veia
E a lembrança das lendas esquecidas,
Neste gesto de imagens desprovidas
Das aranhas que tecem sua teia.
Nestes versos do Jorge apenas resta
O farol de luz negra, que ilumina
O noturno de nítidas paisagens,
Eis que a dona dos versos, nesta festa,
É escaldante de vida, em cada esquina,
Como a imagem do Jorge das imagens.

O Sentido Da Vida

O sentido da vida, por inteiro,
Só desvendo no seu sonho de vida
Que transforma a semente no celeiro,
Alimento da terra mal ferida.
A santidade é o toque derradeiro
Descortinando o ponto de partida,
Cujo encontro se faz, quando o sendeiro,
Na chegada descobre o fim da lida.
Quão difícil, porém, se sou quem trilho
Esta estrada de Deus feita p’ra mim,
Pois qu’outras menos belas já trilhei.
Quão difícil! Contudo, sou Seu filho,
E tê-la quero dentro do jardim,
Onde O encontro, paterno, como Rei.

Cavaleiro Do Rio

Cavaleiro dos tempos passados,
Que outros tempos tu trazes p’ra nós.
Dorme o rio vestido de foz,
No carinho de seus ambos lados.
Cavaleiro da idade retroz
Nunca mais vi teus ombros cansados.
Lá se vai na distância dos fados
A tu’alma de bravo e de atroz.
Foi, no rio, que agora é senil,
Que te vi pela vez derradeira.
Foi no rio que a vida partiu.
E afundaste longínquo da beira,
Onde olhava o teu gesto viril
E afundaste, a ilusão tendo inteira.

Lança Cravada

Lança cravada pelo peito aberto,
No silêncio da noite desmedida,
E o cavaleiro lancetado incerto
Cavalga a morte, cavalgando a vida.
Eu, procurando o meu próprio deserto,
Encontro o panorama da partida
E firo-me buscando o que anda perto
Do que anda atrás da senda conhecida.
Lança cravada pela carne nua
Em pleno profundor da alma silente,
Ferida nova, informe e diferente.
E eu desvendando o som que continua
Na chaga insone da distância interna,
Em busca de mim mesmo… em busca eterna.

Soneto De Jade

Mansamente, um soneto eu te componho,
Lembrando-te, na bruma do passado,
Inda sentindo, assim desconsolado
O teu constante olhar, doce e tristonho.
Há muito tempo que não tinha um sonho
E. mesmo quando o tinha deformado
Eu o vivia e não como a teu lado,
Com quem, pela memória, eu o deponho.
Tal teu símbolo anel, feito de jade,
Que as almas entrelaça na afeição
Para depois guardá-las, por saudade,
Assim, com meu soneto, esta ilusão
Unida se transforma, em suavidade,
Consumindo, no meu, teu coração.

Ano Novo

A chuva, que tombou hoje de tarde,
Com tristeza, saudou este ano novo,
Que, tímido bem mais do que covarde,
Inicia o caminho junto ao povo.
Há fome provocada no país
E a corja, que o governa, é satisfeita.
Faz muitos anos que a Nação feliz
Deixou de ser. O tempo é de colheita.
A messe traz o sal do desespero
E a gente vive agora a tempestade,
Sorvendo o fel da taça, por inteiro.
A dor, na terra, perde a própria idade.
Que este ano novo, assim, não se acovarde
Tal como fez a chuva de hoje à tarde.

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